Esfera
Os dias passam tão rapido. Tenho vontade de agarrar o tempo com as mãos, olhá-lo bem de perto, com olhos de criança curiosa que sempre vou ter.
Fecho os olhos e sonho. Olhando este tempo, quero ver nele minha história, minha vida. Uma esfera espelhada, com fotografias de todos momentos vividos. Posso tocá-los, e então no céu se abre um lindo carrossel, e nele passeiam as pessoas daquele dia da minha vida. O sorriso doce e a pele macia da minha mãe, os olhos brilhantes e azuis do meu pai. As traquinagens do meu irmão loirinho, e eu tão sonhadora, tão a parte deste mundo terreno. A infância feliz.
Num outro momento, em outra parte da esfera, o primeiro amor, o coração disparado, a inocência da juventude… parece vinda de outra vida. Em mais um, o festival da coreografia da 8ª serie, os ensaios, a escolha das roupas, das músicas. A vitória, o eco das vozes vibrando no ginásio do colégio Sao Luis. O abraço das amigas, Ana Claudia, Ana Maria, Carola, Daniela Cury, Estela, Fru, Vivi.
A esfera roda, aumenta, esquenta, entro dentro dela. A música Babylon de David Carbonara toca. Ando pelas quadras, escadas e salas do Colégio no ano de 1987. Vejo meus amigos, ouço seus pensamentos, seus sonhos e aflições. Com muito amor beijo e abraço cada um deles, parte da minha vida.
Saio de lá e ando no tempo até a rede de volei do Guaruja. Entro no mar fresco, e subo, vôo pelo ano de 1988, 1989. Vejo tantas pessoas queridas, muitas que jamais revi, nunca soube delas. Jogo rugby nas areias geladas, dou risada e vejo outros amores daqueles tempos. Noites a beira mar, a inocência dos meus 16, 17 anos. As viagens amadas para Itaparica onde eu me sentia num paraíso.
Rapidamente vejo ao som de Roxette o ballet, o cursinho, a faculdade, mais amigos, mais emoção, mais amor, intensidade, de menina a adulta.
Em seguida, os anos de trabalho no banco, as infinitas viagens, a sensação de descobrir o mundo, desbravá-lo, sem temer, sem fraquejar. Morar sozinha em NY sem conhecer ninguém, encontrar pessoas novas, trabalhar, trabalhar. Luta para provar ao ego que o corpo e a mente são fortes. Luta para calar o coração e a alma.
Algum grito me puxa para fora da esfera. Ela perde o efeito, e eu choro, estico os braços e imploro por mais alguns momentos. No céu as nuvens se movem de maneira estranha, rápidas, algumas são espelhos também. Nelas vejo os olhos do Marcelo, o amor da minha vida, ele me chama, subo até lá e de mãos dadas olhamos a esfera do tempo. Nela vemos nosso namoro, nosso casamento, vemos o nascimento da Victoria, a emoção de tê-la em nossas vidas, a magia de nos tornarmos pai e mãe. De um momento para outro mudou tudo. A sensação de trazê-la para nosssas vidas ou foi ela quem nos trouxe para a vida dela? Seus sorrisos, sua bondade e doçura, sua imensa alegira. Já é 2006, o nascimento do Marcelinho. Mais emoção, como bate o coração. Os primeiros anos dele, suas gargalhadas tão deliciosas, seu carinho, seus abraços com os bracinhos gordos. Algumas pequenas dificuldades e as imensas alegrias.
De repente, a esfera se apaga. Acordo do sonho, um sentimento de alegria, de vida vivida invade meu coração. Uma saudades tão grande de tantos que amo e pouco vejo. Lembro da correria de todos os dias. Da falta de sossego da alma em uma cidade em que “pseudo precisamos” de tanto para viver. Vamos correndo atrás dos desejos, necessidades do corpo, da matéria. Mas nos sonhos, sempre nos sonhos, não precisamos de posses, só precisamos ser alma. Só precisamos de emoção, do coração, e podemos voar, podemos ir e vir no carrossel da vida, e nele podemos ver todos que amamos. Não há barreiras, não há transito, compromisso, não há nada nos impedindo de voar, andar, correr, dançar.
Já é tarde, hoje vou sonhar com algum momento que a esfera espelhada vai mostrar. Vou ver seres amados no meu carrossel. E vou acordar feliz, com um sorriso nos lábios, pois minha alma sabe, há muito mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia.